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X Questions | Filipe Martins

No início de Julho de 2021, os gansos rumaram até ao sul de Portugal. Falamos do Casa Pia que decidiu preparar a pré-época no Browns Sports Resort. E o treinador da equipa profissional Filipe Martins respondeu gentilmente às nossas questões sobre carreira, equipa que coordenada, a modalidade e a sua experiência no resort.


01 | Qual é a melhor parte de ser treinador?

Acho que o sabor da vitória é claramente o que é mais prazeroso nesta profissão que é uma profissão muito dura, que nos tira muitas horas à nossa vida familiar e que estamos sempre muito dependentes de resultados. Normalmente a vitória traz-nos um pouco de conforto e de estabilidade. Embora curta. Quase sempre. Mas acaba por ser muito bom esse momento de vitória.

 

02 | E qual é a parte mais desafiante na sua profissão?

Desafiante é antes de mais gerir homens, porque cada um tem a sua personalidade, cada um tem as suas ambições pessoais e é muito desafiante tentar que todos eles estejam imbuídos no espírito de grupo. Ou seja, não olhar só apenas para o seu umbigo e para os seus objetivos pessoais, mas meter vinte e tal cabeças a pensar como uma só e isso nem sempre é fácil.

 

03 | Quais são as competências que considera importantes num jogador, para além da condição física?

A capacidade mental, hoje em dia, acho que é um dos fatores muito importantes num jogador de futebol, principalmente no alto rendimento.
A elevada pressão que recai sobre eles... Se o jogador não tiver um bom suporte mental, é muito difícil, é muito difícil manter-se num nível elevado. Não se pode abater com as críticas. Tem que muitas das vezes ou se isolar numa bolha. E digo que hoje em dia é muito difícil de nos isolarmos de aquilo que é exposição pública que eles têm e da crítica que hoje em dia através das redes sociais é tudo muito fácil de criticar. Portanto, há que ter muita capacidade de estar focado naquilo que nós controlamos. Quando digo nós, digo nós treinadores e transporta-se para jogadores. Acaba por ser aquilo que é o nosso trabalho, o nosso dia-a-dia.

 

04 | Como descreveria a sua equipa usando 3 palavras?

desafio
qualidade
ambição

 

05 | Pode mencionar um grande momento da sua carreira?

A subida de divisão pelo Real de Massamá à 2ª Liga Portuguesa, em 2016/17.

 

06 | E um dos momentos mais baixos?

A minha saída do Feirense. Talvez porque acho que fui muito corajoso na altura em que aceitei aquele desafio e depois senti que o desgaste e a própria falta de tempo não me deixaram concretizar o projeto que na minha opinião tinha tudo para dar certo. No entanto, uma série de fatores levou que as coisas não corressem como eu queria e como o clube queria. E acaba por ser a única passagem que eu tenho como treinador onde eu não saí valorizado, mas acabou por ser uma experiência boa e que na minha opinião me preparou mais como treinador.

 

07 | Mencione três pessoas no mundo do desporto que admira ou/e que tem como modelo a seguir.

Miguel Quaresma — Muita gente não o conhece, mas é uma pessoa que a mim me diz muito. Foi o meu treinador em Juniores. Foi muitos anos adjunto do Mister Jorge Jesus.

Fernando Santos —  porque foi o meu primeiro treinador como sénior e me revejo muito naquilo que é a liderança dele, na forma de ser, a postura que ele tem no futebol.

E depois o José Mourinho — que acaba por ser sempre uma referência. Para mim, enquanto treinador, foi uma pessoa que abriu muitos horizontes àquilo que é o treinador português. 

E neste momento são as 3 pessoas que dentro da minha profissão eu admiro, porque em todas elas eu me identifico.

Notas:
* Miguel Quaresma
— Atual Coordenador de Formação do Sporting. Fez parte das equipas do Sporting, Benfica, SC Braga, Belenenses e Estrela de Amadora como Treinador-adjunto. Saber mais
* Fernando Santos — Treinador da Seleção Portuguesa de Futebol desde 2014. 2 Títulos em Competições Internacionais (Campeonato da Europa e UEFA Nations League) e 6 Títulos em Competições Nacionais (Taça da Grécia, Liga Portuguesa, Taça de Portugal e Supertaça Cândido de Oliveira) Saber mais
* José Mourinho — 6 Prémios como melhor Treinador no Premier League, UEFA e FIFA. 4 Títulos em Competições Internacionais (Liga dos Campeões e Europa League) e 21 Títulos em Competições Nacionais em Portugal, Itália, Espanha e Inglaterra. Saber mais

 

08 | Que conselhos daria a alguém que começou o percurso de treinador?

Acima de tudo não tentem saltar etapas.
Acho que hoje em dia é um erro de muitos treinadores e acho que cada vez mais cedo se começa a ser treinador.

No meu tempo, quando eu era jogador, nunca tive um treinador com 19, 20 anos. Normalmente fazia-se um percurso desde jogador e depois passava-se para treinador.

Hoje em dia, são também um pouco influenciados por aquilo que foi a nova vaga de treinadores que não tiveram passado no futebol. Ou seja: jogaram na formação e depois passaram automaticamente através da via universitária. Eu dou muito crédito também a esse tipo de treinadores, porque acho que têm que suplantar algumas dificuldades para entrar no mundo do futebol.

Mas acima de tudo, o que eu vejo é que há demasiada ambição. Ambição é boa desde que não ultrapasse aquilo que é a lei natural das coisas. E acho que hoje em dia há muita vontade de chegar ao topo rapidamente e acaba por se atropelar ou passar por cima de toda a gente que apareça pelo caminho para chegarmos ao sucesso. E eu falo por experiência própria. Acho que hoje em dia, um treinador precisa de algum tempo para chegar ao seu auge. Precisa de dar muitos trombos, precisa de se levantar muitas vezes, precisa de aprender muito e se nós não estamos preparados para as etapas que estamos a enfrentar, vamos pagar essa fatura.

Acho que os novos treinadores — quando digo novos é demasiado novos — acabam por muitas das vezes ter muita ambição, e eu vejo isso porque há muita gente que "se oferece para trabalhar" nas minhas equipas técnicas e todas elas têm sempre uma ambição desmedida, e têm que passar logo para o futebol profissional e tem que conseguir sair daqui e muitas das vezes, até mesmo pelas conversas que eu tenho com eles sinto que não estão preparados.

A ambição não faz mal, mas acho que se tivermos que chegar, chegamos. Não precisamos é de atropelar ninguém.

 

Continuando este tema, que conselhos é que daria a si próprio antes de começar a sua carreira como treinador?

Eu sempre tive um objectivo. Eu fui metendo fasquias na minha vida quando passei de jogador para treinador. Ao início eu comecei mesmo por baixo. Fiz questão de começar mesmo por baixo.

O meu primeiro projecto como treinador foi nos infantis do clube desportivo de Belas, um clube onde praticamente não há recrutamento. Ou seja, todos os miudos que aparecem no clube ficam, porque havia muito poucos jogadores disponíveis. Provavelmente foi dos trabalhos mais prazerosos que tive que foi ensinar aos miudos a chutar uma bola. Muitos deles nem chutar uma bola sabiam. Mas acabou por me dar algum estofo, alguma paciência.

Hoje em dia muita gente pensa que para treinar jogadores séniores e jogadores profissionais nós não temos que ser também professores e muitos deles precisam da nossa ajuda e isso é um factor fulcral no treinador. Por muito alto em que nós estejamos no nível, temos sempre qualquer coisa para ensinar aos jogadores. Ensinar e aprender. Porque acho que eu também aprendo muito como os meus jogadores, com a experiência, com os erros que eles cometem, com as coisas boas que eles trazem para dentro do meu treino e acho que devemos estar sempre em evolução.

 

Poderia dar exemplos do que tem aprendido com eles (jogadores)?

Sim. Há situações dentro do próprio jogo em que eles estão a fazer movimentos que na minha cabeça não são os ideais e que depois numa troca de conversas, acabo por perceber o porquê, o que os levou a procurar aquele passo, o que os levou a tomar aquela decisão e metendo-me dentro da cabeça deles muitas vezes consigo abrir horizontes. Ou seja, ainda não tinha vindo aquilo à cabeça, ainda não tinha pensado naquela situação de jogo — porque dentro do jogo de futebol tudo muda numa questão de milésimo de segundo — e acho que é muito importante ouvirmos também quem está a ser comandado por nós, aprender com eles, com os próprios erros que muitas vezes nós também cometemos. E alguns deles têm essa capacidade de dizer "Mister, olhe. Eu fiz porque você disse para fazer, mas eu acho que teria sido melhor fazer outro tipo de coisa." Ou até mesmo antes do erro ser feito, eles sugerem algo que vem da cabeça deles. Algumas (ideias) eu aceito como sugestão e transporto. E noutras (vezes), eu levo a minha ideia avante. Normalmente levo muito a minha minha ideia avante, mas não deixo de pensar naquilo que foi dito.

 

09 | Se pudesse decidir, haveria algo que gostaria de mudar no futebol?

Sim.

A nível de regras o futebol está a caminhar para aquilo que é. Também já não ha muita coisa para mudar neste momento.

A nível de regras do jogo acho que apenas poderíamos mudar o lançamento lateral. Começar a ser feito com o pé. É a única regra visível que eu vejo que poderia ser feita. O restante não.

Acho que o VAR trouxe muita coisa boa para o futebol, neste momento, muita verdade desportiva.

O que eu claramente gostava de radicar do futebol é a viciação de resultados. Acho que é um cancro muito grande hoje em dia no futebol. Muita gente a tentar que isso aconteça. Não falo diretamente no meu caso e nem sequer dou aso a isso, mas hoje em dia, e com as dificuldades financeiras que às vezes há nos clubes, acaba por ser muito difícil algum jogadores, devido às dificuldades que estão a passar, não se deixarem enverdar por esse caminho. Há que ter muita pressionalidade, mas acima de tudo há que ter mão muito pesada para quem comete esse tipo de crime.

 

10 | E para finalizar, como tem sido a sua experiência no Browns durante este estágio?

Tem sido fantástica! Não conhecia. Já tinha algumas referências muito positivas.

Na altura quando decidimos, já tinhamos vindo cá abaixo. Tínhamos vindo ver todas as condições do complexo e achámos que era o ideal. E agora, a única coisa que posso dizer é que estou muito satisfeito. Ainda bem que tomámos esta decisão.

Temos aqui todas as condições para fazer uma pré-época com tudo aquilo que é necessário: com bons campos, com boas instalações, com boa comida, tudo aquilo que nós precisamos para estarmos focados naquilo que é apenas e só o treino. Um excelente ginásio, piscinas e uma é interior, bicicletas, ... tudo aquilo que é necessário para se fazer uma pré-época de qualidade, em qualquer que seja o nível de que estamos a falar.

 


Fotos: Casa Pia AC

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